“Me senti uma analfabeta digital”. É assim que a carioca e designer Thaís Campos, de 32 anos, descreve a sensação ao ser vítima de um golpe que oferecia desconto no cinema na semana que inicia a Black Friday.

Influenciada por um post patrocinado de uma grande rede, que induzia a uma pesquisa para ganhar cinco ingressos e uma pipoca no valor de R$ 42, ela clicou em um link e respondeu algumas perguntas.

Ao efetuar o pix para o pagamento, recebeu um email para download dos ingressos, mas a página que disponibilizava as entradas estava “cortada”.

“Achei estranho, mas como fiz todo o processo pelo celular pensei que pudesse ter dado algum erro no navegador”, diz.

Foi então que Thais acessou o site oficial da empresa e viu o anúncio na página inicial de que golpistas estariam usando o nome da instituição para roubar dinheiro.

“O valor não foi tão expressivo, foi menos de R$ 50, mas mesmo assim fico indignada com essas pessoas que criam armadilhas para que a gente caia”, lamenta.

Embora a Black Friday esteja programada para ocorrer na próxima sexta-feira (29), muitas lojas já estão divulgando promoções com descontos expressivos e atraindo os consumidores.

No entanto, junto com essas ofertas tentadoras, criminosos aproveitam a oportunidade para aplicar golpes e fraudes, como o ocorrido com Thaís.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é nesta época do ano e em datas comemorativas que os crimes cibernéticos ocorrem com maior frequência.

Deep fake e áudios de famosos

Com o avanço da tecnologia, os golpes nesta data tornaram-se extremamente sofisticados e de grande alcance. Um dos mais recentes é o uso do deep fake utilizando a imagem de uma celebridade para divulgar determinada promoção ou loja.

Criminosos utilizam alguma foto ou vídeo já veiculados por esse artista ou influencer em alguma rede social, ou outro tipo de mídia, e usam programas específicos que fazem uma espécie de “colagem” sincronizando o corpo e o rosto.

Dessa forma, muitas vezes, é difícil perceber que determinado indivíduo foi gerado por inteligência artificial.

“Aquela pessoa famosa passa credibilidade por empatia do público e utilizar essa técnica faz com que a vítima acabe comprando algo que aquela celebridade desconhece totalmente a procedência”, alerta Marcelo Nagy, perito digital e professor de pós-graduação da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Embora a imagem seja bem realista, Fábio Diniz, presidente do Instituto Nacional de Combate ao Cibercrime (INCC), destaca que alguns golpistas ainda apresentam falhas ao gerar seres humanos com recursos de IA.

“Há indivíduos com características irreais, como seis dedos ou pele perfeita. A voz também pode não acompanhar a velocidade com que ele abre a boca, entre outros”, diz.

Por isso, é importante que o usuário perceba cada detalhe ao se deparar com anúncios de pessoas públicas que oferecem grandes descontos ou valores muito abaixo do mercado.

O especialista destaca ainda que discursos muito inflamados, que contenham mensagens de ódio ou intolerância, também devem servir de alerta para suspeitar que aquela propaganda é falsa.

Outro recurso muito utilizado atualmente são os áudios criados com inteligência artificial. Criminosos têm reproduzido sons compatíveis ou idênticos com a voz de artistas e familiares das vítimas para disseminar mensagens convincentes e que induzam o consumidor a comprar determinado produto.

“Um golpista pode pegar um vídeo de um parente próximo em uma rede social para treinar a inteligência artificial a falar igual àquele seu parente, para posteriormente gerar esses áudios recomendando uma compra em um site falso, por exemplo”, destaca Nagy.

A reportagem testou um desses recursos e foi possível criar perfeitamente uma mensagem pelo Whatsapp e reproduzindo determinado texto sobre a Black Friday.

Além disso, ainda de acordo com os especialistas, já é possível iniciar uma conversa em tempo real com esses recursos de voz, o que pode diminuir qualquer suspeita.

Sites falsos, phishing e sorteios

No último domingo (24), Júlia Kastrup, de 33 anos, decidiu comprar um vestido em uma loja online já conhecida por ela. Ao receber o link da promoção, enviado pela mãe, o site direcionava para uma página de promoções.

“Eu entrei no site e não estranhei muito, porque, apesar de ser diferente do site normal, eu achei que fosse um hotsite dedicado à campanha de Black Friday. Tinha muita coisa na promoção, com preços muito bons, e eu fui colocando no carrinho”, diz.

Júlia Kastrup quase caiu em um golpe ao tentar comprar um vestido

Quando já estava com compras que somavam R$ 500, viu o vestido que já queria há bastante tempo, mas resolveu logar no site para verificar se era o mesmo modelo que havia colocado como favorito antes.

“Comecei a desconfiar porque não havia o botão para fazer meu login no site. Daí, resolvi entrar na página normal, pra entender melhor, e atentei pra URL, que era completamente diferente, um domínio totalmente novo e que não tinha nada a ver com o domínio original”, diz.

Foi então que Júlia percebeu que poderia estar prestes a cair em um golpe e perder seu dinheiro.

“Avisei a minha mãe, e conseguimos não cair. Mas confesso que foi por pouco, porque os preços realmente estavam muito bons: vestidos por R$ 45, top por R$ 20, bolsa por R$ 60”, conta.

A adulteração de sites é muito comum nesta época do ano ou em datas de grande apelo comercial. Segundo os especialistas, mesmo sendo uma prática muito antiga, ainda há pessoas que caem nesse tipo de fraude.

Muitas vezes, criminosos conseguem desenvolver URLs (endereço de um site ou arquivo na internet) que são semelhantes aos originais. Por distração, o usuário não percebe e acaba comprando em um site que não é o original.

De acordo com dados exclusivos, feitos pela consultoria de cibersegurança Redbelt Security, desde 4 de novembro até esta terça-feira (26), foram criadas 4.500 novas páginas falsas, com o foco totalmente voltado para a Black Friday.

“Os golpistas colocam um número, ou uma letra ou um símbolo no final ou no meio da URL para confundir”, explica Grazielle Viana, especialista em segurança da informação e proteção de dados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB).

“Se houver diferenças, eu recomendo que volte na página original e pesquise esse mesmo produto para saber se a promoção é válida ou não.Você só vai ter certeza na página original do vendedor”, acrescenta Viana.

Outro recurso muito comum utilizado por criminosos durante a semana da Black Friday são os phishings. A prática consiste em se passar por empresas confiáveis para obter informações pessoais de forma fraudulenta. O contato pode ser feito por SMS, e-mail, sites, Whatsapp e outros canais de comunicação.

“Ele é usado tanto para oferecer promessas falsas quanto em troca de dados, muito usado também nos sorteios para enganar os consumidores. São bastante eficazes porque a pessoa é atraída por essa oferta e acaba compartilhando os dados sem perceber que foi enganada”, diz Viana.

Por fim, outro meio bastante utilizado são os sorteios. Com o desenvolvimento das redes sociais, é muito comum golpistas se passarem por lojas, hotéis, pousadas e restaurantes oferecendo grandes descontos em produtos, em troca de sorteios ou “cupons da sorte”.

Em alguns casos, ao ganhar o “prêmio”, o consumidor precisa pagar alguma taxa para usufruir do serviço.

Como não cair em golpes

Especialistas recomendam que se preste atenção em links recebidos por WhatsApp

Mesmo com o avanço dessas tecnologias, há maneiras de se precaver e não cair nesses tipos de fraudes.

  • Desconfie de ofertas muito atraentes: promoções com preços muito abaixo do mercado ou cupons milagrosos podem ser atrativos para enganar consumidores. Sempre cheque no site oficial da loja.
  • Atente-se ao endereço online do site (URL): verifique se ele corresponde ao domínio oficial da empresa. Pequenas alterações, como números ou símbolos extras, podem indicar sites falsos.
  • Evite clicar em links recebidos por mensagens: prefira acessar promoções digitando o endereço da loja diretamente no navegador. Links enviados por e-mail, SMS ou WhatsApp podem ser phishings.
  • Cheque a reputação do vendedor: em compras online, pesquise sobre a loja em plataformas de avaliação e redes sociais antes de finalizar a transação. As mais confiáveis e recomendadas pelos especialistas são Consumidor.gov e Reclame Aqui.
  • Use métodos de pagamento seguros: evite Pix para compras desconhecidas e dê preferência a cartões virtuais de crédito. O uso de cartões virtuais é uma prática cada vez mais recomendada para evitar fraudes financeiras. Diferentemente do cartão físico, o virtual é gerado exclusivamente para compras online, com um código de segurança único e validade limitada, o que dificulta sua reutilização em caso de vazamento de dados.
  • Além disso, ao evitar o pagamento por boletos, o consumidor reduz o risco de cair em golpes que simulam cobranças falsas. O boleto, muitas vezes, não oferece os mesmos mecanismos de contestação que um cartão de crédito, tornando-o mais vulnerável a fraudes.

Não compartilhe dados pessoais com estranhos: para se proteger de golpes, nunca compartilhe dados bancários ou informações pessoais por telefone, e-mail ou redes sociais.

Além disso, não acredite em funcionários que ligam se passando por bancos ou instituições não autorizadas e que peçam a sua senha ou outro dado.

Não guarde senhas pessoais e importantes no celular. “O ideal é que só você ou alguém de confiança saibam essas senhas. Para isso, anote em um papel e guarde em cofre em um local seguro”, ressalta Diniz.