A seca que afeta o Brasil já se arrasta por 18 meses. A estiagem começou em junho de 2023, não deu trégua e, segundo especialistas, ainda não há previsão de quando deve acabar. Isso se reflete em rios secos, comunidades isoladas e perdas bilionárias que marcaram o país em 2024.

Dados do do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) obtidos pelo g1 com exclusividade mostram que mais de 130 cidades pelo país enfrentaram ao menos nove meses consecutivos de estiagem neste período.

🔴 Os especialistas explicam que a intensidade da seca e os impactos têm a ver com fenômenos da natureza, como o El Niño. Mas, também com a ação humana, como as mudanças climáticas, o desmatamento e o uso ilegal do fogo, que cobriu o país de fumaça por meses.

Com isso, a estiagem foi se alastrando pelo mapa do Brasil. Segundo os dados do Cemaden, órgão que subsidia o governo nas ações de enfrentamento às crises climáticas, foram mais de 5 milhões de km² foram afetados, o que corresponde a aproximadamente 59% do território brasileiro – um recorde para o país.

➡️ Embora o Brasil esteja sob o mesmo efeito, as regiões enfrentam a seca em intensidade e extensões diferentes. Isso por dois motivos: o país tem dimensões continentais, com climas diferentes de Norte a Sul. E os fenômenos climáticos que resultaram na seca também agiram de forma diferente sobre as regiões.

O Cemaden avaliou o estresse da seca em cada estado, observando o tempo de impacto da crise por cidade no país.

O levantamento mostra que 137 cidades passaram mais da metade do período de crise em situação de seca, o que são nove meses sob esse estresse climático. O pior cenário, no entanto, foi no Norte do país. A cidade com o período mais longo de estiagem é Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, que passou 14 meses em situação de seca.
➡️ Os dados mostram que mais de 50% do país passou pelo menos 30 dias em situação de seca, em algum grau.

Impactos pelo país

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) são 2,8 milhões de pessoas afetadas pela crise com a seca no país. Isso se reflete em um cenário de tragédia em muitas cidades, com rios secos e comunidades isoladas, sem acesso á serviços básicos, fome e prejuízos bilionários na economia, que tem como pilar a agricultura e pecuária.

No Amapá, alunos de uma escola pública tiveram que caminhar cerca de uma hora para chegar até a escola. A imagem, que é impressionante, mostra eles andando me meio a lama, onde antes havia um rio.

No Amazonas, onde Santa Isabel do Rio Negro teve o pior cenário de seca no país, com 14 meses, o estado está em situação de emergência por causa da seca. Os principais rios estão em terra exposta, o que deixou milhares de pessoas sem acesso à água e vulneráveis as populações ribeirinhas, que vivem da pesca.

Enquanto a seca se alastrava, o fogo ilegal também tomou conta do país. Sem chuva para conter as chamas, uma nuvem densa de fumaça se formou e chegou a uma extensão de quase 5 milhões de quilômetros quadrados. Isso é quase 60% de todo o território nacional.

Enquanto as cidades sufocavam, biomas importantes como o Pantanal, Amazônia e Cerrado eram incendiados. O fogo chegou a extrapolar os períodos que antes era registrado. Em pleno dezembro, o Pará estava coberto de fumaça.

O problema não é só ambiental, o que por si só é grave, mas econômico. Segundo a CNM, em um balanço que reuniu alguns dos principais estados afetados, os prejuízos financeiros chegam a R$ 2 bilhões, entre perdas no setor agropecuário e gastos dos cofres municipais para o enfrentamento da crise. No entanto, o valor é subestimado, porque não inclui todas as regiões afetadas.

Por que o tempo de seca varia entre as cidades?

O país está sob um efeito de seca generalizado, segundo especialistas. Apesar disso, a intensidade e o momento em que ela chegou ou deu trégua em algumas regiões são diferentes em cada região e isso está diretamente relacionado às causas dessa crise.

  • El Niño: fenômeno responsável pelo aquecimento do Oceano Pacífico, contribuiu para a elevação das temperaturas no país e alterações nos padrões de chuva. Seu impacto gerou uma seca intensa no Norte do país, com recordes históricos.
  • Bloqueios atmosféricos: esses fenômenos barraram o avanço das frentes frias pelo país, resultando em chuvas abaixo da média em quase todo o território. O maior impacto foi registrado nas regiões Central e Sudeste do Brasil.
  • Aquecimento do Atlântico Tropical Norte: nos últimos meses, o Oceano Atlântico Tropical Norte apresentou temperaturas acima do normal, influenciando alterações nos padrões de chuva no Brasil.

O pesquisador Luiz Marcelo Zeri, do Cemaden, explica que a estiagem se intensificou à medida que os fenômenos se somaram, espalhando-se pelo país. Mapas mensais elaborados pelo Cemaden desde o início da crise ilustram esse avanço. (Veja a imagem abaixo)

E o que esperar da seca a partir de agora?

A expectativa era de que a trégua ocorresse em novembro, mas isso não aconteceu por dois motivos: a estação chuvosa, prevista para começar em outubro, atrasou; e a La Niña, fenômeno que poderia trazer mais chuvas e reduzir as temperaturas, não se concretizou. Ela ainda pode chegar, mas mais fraca e mais tarde.

Luiz Marcelo Zeri explica que esses fatores poderiam trazer uma trégua, mas não uma solução definitiva. A seca foi tão severa que é necessário um longo período com chuvas acima da média para que as cidades se recuperem, o que não deve ocorrer tão cedo.

A chegada do verão torna a situação ainda mais delicada. O aumento das temperaturas intensifica o processo de evapotranspiração – a perda de água do solo e dos rios. Com chuvas de intensidade comum, temperaturas mais altas e menos nuvens, características do verão, a perda de água se agrava, piorando a seca.

Embora o cenário seja incerto, as previsões apontam que, ao menos até março, a seca persistirá de forma mais intensa na região central do Brasil.