Os cigarros eletrônicos, popularmente conhecidos como vapes, contêm metais tóxicos que contaminam o líquido inalado pelos usuários antes mesmo do primeiro uso. Um estudo inédito do Laboratório de Química Atmosférica (LQA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), divulgado com exclusividade pela BBC News Brasil, revelou essa contaminação.
Os pesquisadores encontraram concentrações elevadas de cobre, estanho, níquel e zinco em praticamente todas as 15 amostras de vapes descartáveis analisadas. “Os níveis detectados estão muito acima do esperado para qualquer substância que será inalada”, alerta Carlos Leonny Fragoso, doutorando em química e um dos autores do estudo.

Substâncias Tóxicas Já Presentes Antes da Primeira Utilização
Diferente do que se imaginava, os metais tóxicos não aparecem apenas após o aquecimento do líquido pelo circuito elétrico do dispositivo. Eles já estão presentes antes do primeiro uso, o que aumenta os riscos de exposição.
Além dos metais pesados, a análise identificou diversos compostos usados para tornar os vapes mais adocicados e refrescantes, incluindo realçadores de sabor e até um aromatizante de vela.
Diferença Entre Vapes Descartáveis e Recarregáveis

O estudo também analisou 14 amostras de líquidos utilizados em vapes recarregáveis. Nesses casos, os metais não foram detectados em níveis quantificáveis, possivelmente porque o líquido ainda não havia entrado em contato com os circuitos internos dos dispositivos. No entanto, Fragoso alerta que a contaminação pode ocorrer após a inserção do líquido no aparelho e seu aquecimento.
Outro dado preocupante: todas as amostras analisadas apresentaram “toxicidade significativa” em testes com leveduras e células cardíacas de camundongos. Esse efeito indica um potencial de dano celular e inflamatório.
Vapes e Seus Riscos: Um Produto de Alto Consumo no Brasil
Mesmo proibidos no Brasil desde 2009, os cigarros eletrônicos continuam sendo amplamente utilizados, principalmente entre os jovens. Embora não existam dados oficiais sobre a quantidade de vapes no país, apreensões da Receita Federal revelam a escala do contrabando. Apenas no porto de Santos, mais de 1,5 milhão de unidades foram confiscadas entre outubro e dezembro do ano passado.
Aromatizantes e Substâncias Suspeitas

As embalagens dos vapes costumam listar apenas quatro ingredientes principais: nicotina, aromatizantes, propilenoglicol e glicerina vegetal. No entanto, um estudo preliminar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) revelou a presença de octodrina em dez amostras apreendidas. Essa substância tem estrutura semelhante à anfetamina.
Na pesquisa da PUC-Rio, mais de 20 substâncias foram identificadas nas amostras analisadas, das quais cerca de 10 foram reconhecidas. Algumas são amplamente utilizadas na indústria alimentícia, como a vanilina, que confere um sabor adocicado, e o mentol, adicionado para dar efeito refrescante.
Os pesquisadores também encontraram um composto normalmente usado para aromatizar velas, o que levanta mais preocupações sobre os riscos desses produtos para a saúde.
“Vapes São Piores Que Cigarros Convencionais”, Diz Especialista
Para Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz e membro da Academia Nacional de Medicina, os cigarros eletrônicos são ainda mais perigosos do que os convencionais. “Eles geram dependência mais rapidamente e de forma mais intensa”, afirma.
A especialista destaca que a concentração de nicotina nos vapes pode ser até cem vezes maior que a dos cigarros tradicionais, tornando o vício muito mais rápido. Entre os riscos, estão o desenvolvimento de doenças pulmonares, enfisema, problemas respiratórios crônicos e até câncer.
Regulamentação dos Vapes: Um Debate Controverso
Atualmente, o Senado discute o Projeto de Lei 5008/2023, que trata da regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil. A Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) defende a regulamentação, argumentando que a falta de controle agrava os problemas identificados nas pesquisas.
Lauro Anhezini, conselheiro da Abifumo, afirma que a regulamentação permitiria estabelecer limites para emissões e controle de temperatura dos dispositivos. “Isso garantiria maior segurança para os consumidores”, diz.
Por outro lado, especialistas em saúde alertam que a legalização poderia ampliar o consumo e aumentar os gastos do sistema público de saúde com o tratamento de doenças associadas ao uso dos dispositivos.