A trajetória de um doido manso até se tornar um tirano genocida

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“Passou de todos os limites a estupidez assassina do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus (…) Chega de molecagens com a vacina! (…) Basta de descaso homicida! Quase nada mais importa do que vacinas já _ e para todos os cidadãos” (Trechos do editorial da Folha, com o título “Vacinação Já”, o mais violento já publicado pelo jornal sobre o atual ocupante do Palácio do Planalto).

Em que momento um doido manso, que quando menino passava o dia na cidadezinha jogando pedras nos transeuntes da praça da matriz, por puro prazer, pode se tornar um tirano perigoso, um genocida capaz de colocar em risco a vida de uma população de 212 milhões de habitantes?

Eu conheci um menino assim, mas ele nunca fez mal a ninguém, fora os sustos que a gente levava.

“Ô, Elemento, para com isso”, de vez em quando reclamava alguém, e ele jogava mais pedras, por detestar o apelido. Ninguém sabia o nome dele.

Tinha um outro que só me chamava de Roberto, não havia jeito de acertar meu nome. Gostava de dar e receber presentes, qualquer coisa, e passava o dia correndo de um lado para outro.

Aqui na rua onde moro circulava uma doida mansa que não gostava de ser chamada de Maria, soltava todos os palavrões do mundo quando a chamavam assim, e logo seguia seu caminho, carregando suas tralhas.

Todo mundo deve conhecer tipos que, digamos, fogem ao padrão normal de comportamento. Os hospícios estão cheios deles.

Nunca mais soube do destino desses personagens, nem sei por que me lembrei deles agora ao ler o editorial da Folha.

O problema só aparece quando um elemento destes deixa de ser manso e chega ao cargo mais alto da República, com poderes para decidir sobre a vida e a morte dos seus governados.

É neste momento que ele se torna um tirano, lutando contra o seu próprio povo, para se vingar contra inimigos imaginários ou reais do passado, revoltado com a sua própria mediocridade, incapaz de sentir qualquer compaixão pelas suas vítimas, que já passam de 180 mil.

Enquanto o dito cujo se militava a combater radares nas estradas e cadeirinhas para crianças nos carros, brigar com fiscais do Ibama em áreas proibidas para a pesca e fazer arminha com os dedos, podia parecer tudo muito engraçado.

Ao lado do editorial do jornal, na homepage do online da Folha, a manchete é sobre o Datafolha que mostra a queda no número de brasileiros que querem receber a vacina.

Em agosto, eram 89% os que queriam ser vacinados; agora, o índice caiu para 73%. E 22% não querem receber a vacina

Quer dizer, um em cada cinco brasileiros não quer ser imunizado contra o coronavírus, a pandemia que assola a humanidade e volta a bater recordes de óbitos e contaminações todos os dias. Dá para acreditar?

Mais grave ainda: 50% dos entrevistados na pesquisa se recusariam a receber a Coronavac, a tal “vacina chinesa do Doria”, que começou a ser produzida esta semana pelo Instituto Butantan, em São Paulo, e começará a ser aplicada no dia 25 de janeiro. É a única que temos até agora.

Esse é o resultado dos discursos negacionistas do presidente, que desdenha da pandemia, mobilizando as redes sociais bolsonaristas contra essa vacina, por poder inocular um “vírus comunista”, em pessoas que nem sabem o que é comunismo, mas acreditam no Mito, que só está preocupado com o governador João Doria.

Quem deve estar contente é o ministro Paulo Gudes, que calculava gastar R$ 20 bilhões para imunizar toda a população. Agora, ele já pode cortar pelo menos 22% no orçamento, ou mais, se comprar a Coronavac.

Ainda hoje, num breve discurso durante solenidade de formatura da Marinha, no Rio, sem falar diretamente da doença, Bolsonaro voltou a criticar a vacinação obrigatória:

“Não deixem que o pânico nos domine. A nossa liberdade não tem preço. Ela vale mais do que a nossa própria vida”.

De que vale a liberdade após a morte? Dá para entender o que Bolsonaro fala?

Para quem passou a vida nos fundões do baixo clero da Câmara, defendendo ditadores e torturadores, e aumento nos soldos dos fardados, chega a ser patético que ele agora ouse falar em liberdade.

É como se o povo brasileiro tivesse a liberdade de escolher entre a vida e a morte, enquanto o seu general da Saúde, apenas um apalermado ajudante de ordens, até agora não tenha-se dignado a providenciar vacinas nem seringas em quantidade suficiente para imunizar toda a população, nove meses após a eclosão da pandemia, no momento em que outros países já começaram a vacinação em massa. .

Que saudade dos doidos mansos. Pelo menos, eles eram muito engraçados…

Vida que segue.

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