‘Policiais chorando de revolta’: a conexão internacional da quadrilha de rinha de cães que chocou o país

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Há quatro meses, quando uma mulher insistia em conversar com o delegado Matheus Laiola, chefe da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil do Paraná, ele ficou cético com a informação da denúncia: em dezembro, haveria uma rinha de cães da raça pitbull em Mairiporã, na Região Metropolitana de São Paulo.

Foi em Curitiba, pelas mãos do delegado que virou uma referência na área de proteção animal no Estado, que a investigação iniciou. Uma batida policial foi realizada na rinha no sábado (14) e as cenas chocantes, de cachorros mortos, machucados e sendo assados em churrascos comoveram o país e mobilizaram ONGs em São Paulo e Curitiba para acolher os animais.

“Na época da denúncia, fiquei bem cético. Peguei os nomes dos dois suspeitos que ela citou e percebemos que as informações estavam batendo”, diz Laiola. A operação mobilizou 100 policiais do Paraná e de São Paulo, e 40 viaturas.

Nesta sexta-feira (20/12), a Justiça de São Paulo decretou a prisão preventiva de 22 envolvidos na rinha de cães. Ao todo, 41 homens foram presos, mas apenas um permaneceu na prisão após ser apontado como o organizador do evento.

A chegada dos policiais à rinha foi um dos momentos de maior tensão – e também alívio – para o delegado que comandou a operação.

Foram apreendidos R$ 50 mil em espécie, toos os apetrechos de aposta, troféus e camisetas mostrando a pesagem dos cães. “É como se fosse um UFC”, diz Laiola, em referência aos famosos torneios promovidos pela organização Ultimate Fighting Championship.

Cães resgatadosDireito de imagemISADORA RUPP/ BBC NEWS BRASIL
Image captionCinco cães resgatados em rinha estão recebendo tratamento médico

Brasil, EUA, México e Peru

A dimensão internacional das rinhas, inclusive, lembra muito a dinâmica da organização que promove eventos em todo o mundo: ao longo das investigações, a equipe da DPMA encontrou anúncios em grupos fechados de WhatsApp onde eram passadas informações sobre as rinhas em português, espanhol e inglês.

O juiz era um americano e havia pessoas de países como México e Peru. No ano passado, segundo o delegado, o evento ocorreu na República Dominicana; essa edição brasileira já era a 21ª.

Os cães também viajavam para outros países para participar das lutas. Laiola conta que caixas para transporte dos animais foram apreendidas no Aeroporto de Guarulhos, e que a movimentação financeira dos eventos é milionária: dependendo dos resultados nas rinhas, alguns cães eram avaliados em até R$ 200 mil.

As apostas nos cães também não ficavam restritas somente aos participantes das rinhas e também ocorriam, segundo o delegado, pela internet. “O objetivo deles é levantar dinheiro, e como meio eles maltratam os animais, que são criados e treinados para isso, matar outros animais.”

Entre as práticas desse treinamento para as lutas estão corrida em esteiras e muita violência a partir do primeiro ano de vida; a capacidade de brigar é o que garante a sobrevivência.

Em seu perfil no Instagram, a ativista Luísa Mell, cujo instituto está cuidando dos casos mais graves dos cães resgatados no evento em Mairiporã, explicou que os criadores imobilizam a fêmea e colocam focinheira nos machos para cruzarem, já que o nível de estresse ao qual são submetidos faz com que eles briguem com qualquer cão, mesmo sendo extremamente dóceis com humanos.

As investigações do caso de Mairiporã continuam sendo feitas pela Polícia Civil de São Paulo e serão concentradas, de acordo com Jam Plzak, delegado titular da 2ª Delegacia de Crimes Contra o Meio Ambiente da DPPC, em buscar outros canis de pitbulls.

“Vamos identificar criadores e saber se eles fornecem animais para esse tipo de evento, além de encontrar outros indivíduos que estavam na rinha, mas acabaram fugindo”explica.

Mais canis

Depois da descoberta da rinha, a Polícia Civil de São Paulo resgatou na terça-feira (17) mais 33 cachorros em situação de maus-tratos em uma chácara em Itu – o responsável pelo local também tem envolvimento com o evento em Mairiporã.

Os animais estavam com problemas de saúde, sem comida nem água, assim como outros cinco cães descobertos pelo delegado Laiola e sua equipe em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, que também pertencia a um dos detidos no sábado.

Os cães foram acolhidos pelo Instituto Fica Comigo, de Curitiba, e estão internados em uma clinica veterinária. Infecção detectada por exames de sangue e lesões são alguns dos problemas. Alguns dos cães (como a fêmea, batizada de Traquinas) estão bastante agitados e com problemas de socialização. “Mas com carinho, vai” diz a veterinária Beatriz Graça Gonsalves.

Cachorro machucadoDireito de imagemMATHEUS LAIOLA/ARQUIVO PESSOAL
Image captionPit bull encontrado machucado em rinha foi levado para abrigo onde recebe tratamento

A ONG Fica Comigo está fazendo testes de socialização com os cães e os colocará em lares temporários depois que o tratamento de saúde for finalizado – todos os cachorros já foram castrados. Nas entrevistas para lar temporário, das 120 pessoas entrevistadas pela presidente do Instituto, Carla Negochadle, apenas uma foi considerada adequada para abrigar um dos animais.

“Apareceu muita gente sem experiência e precisamos ser criteriosos, a pessoa tem que ter estrutura e saber dos cuidados com os pitbulls”. Três adestradores já se voluntariaram para trabalhar no resgate da sociabilidade com outros cachorros.

Comoção

Desde janeiro, a delegacia ambiental de Curitiba virou uma referência para a causa: foram 1 mil animais resgatados em 2019, 70% domésticos e 30% silvestres.

Após ter trabalhado na delegacia de Furtos e Roubos, Laiola atendia de quatro a cinco ocorrências por dia e não aguentou o ritmo calmo da delegacia. “Comecei a ir atrás de trabalho e procurei a Rede de Proteção Animal de Curitiba para uma parceria, e hoje está essa loucura”. Atualmente, cerca de 30 casos chegam diariamente.

Cão recolhido em abrigo após rinhaDireito de imagemISADORA RUPP/ BBC NEWS BRASIL
Image captionDesde janeiro na DPMA em Curitiba, 1 mil animais resgatados em 2019, 70% domésticos e 30% silvestres

“A proximidade da população é surreal, aumentou a confiança de que as denúncias serão atendidas”. A comunicação direta de Laiola por meio do seu perfil no Instagram e outras redes sociais também chama atenção; o número de seguidores saiu de 15 mil para 40 mil depois da operação em Mairiporã.

“Não dou conta de responder às mensagens e comentários. Pessoas do Peru estão mandando mensagens para mim, jogo no tradutor do Google para entender o que estão falando”, brinca o delegado.

No domingo (22), protestos pedindo punição para os envolvidos nas rinhas de Mairiporã estão marcados para ocorrer em São Paulo (no vão livre do MASP, às 14 horas) e no Rio de Janeiro (Posto 5 de Copacabana, às 10h).

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