Essa pressão sobre o preço dos alimentos deve se manter até o fim do ano, mas em menor proporção, segundo os economistas.
“O colchão da classe média vai se tornando cada vez mais fino com o passar do tempo, enquanto o auxílio emergencial, cujo valor já caiu pela metade – são R$ 300 -, só será concedido até dezembro”, afirma Braz.
“Uma queda mais significativa no preço do arroz deve ser observada no começo do ano que vem, com uma nova safra”, diz Maria Andrea.
Impacto sobre os mais pobres
De acordo com a pesquisadora do Ipea, o aumento recente nos preços corrói os ganhos dos mais pobres.
Nos últimos 12 meses encerrados em agosto, a inflação dos segmentos de renda mais baixa subiu 3,2%, atingindo uma taxa mais de duas vezes superior à da inflação das famílias de maior poder aquisitivo (1,5%), segundo o Ipea.
“Em agosto, por exemplo, as famílias de maior renda tiveram um alívio com a queda nos preços das mensalidades escolares, algo que não impacta a vida das famílias mais pobres”, diz ela.
O indicador do Ipea aponta que segmentos como vestuário e cama, mesa e banho registraram uma forte queda nos preços nos últimos meses, como reflexo da pandemia.
“Mas ainda que os empresários desses setores repassem algum aumento até o fim do ano, não será nada significativo, simplesmente porque não há demanda”, diz Maria Andrea.
“Não há qualquer fator que justifique uma pressão inflacionária generalizada no Brasil”.
Com 13 milhões de desempregados, 6 milhões de “desalentados” (quem desistiu de procurar trabalho) e 40 milhões sobrevivendo no setor informal, o Brasil está longe de entrever uma retomada da economia, afirma Ladislau Dowbor.
“A grande massa da população está fragilizada e endividada”, diz o professor da PUC-SP. Segundo ele, parte do que foi ganho com o auxílio emergencial sustentou o sistema financeiro, com pagamento de cheque especial e juros do cartão.
“O país soma 61 milhões de pessoas ‘negativadas’, ou seja, com nome sujo, porque não entendem que a cobrança dos juros é mensal, e não anual, como no resto do mundo”, diz. Como exemplo, Dowbor cita a taxa de juros do crédito rotativo, que está em 255% no Brasil ao ano — contra 11% no Canadá, por exemplo. “Isso trava completamente a capacidade de compra”, afirma.
Do lado dos comerciantes, não há expectativas positivas sequer para a principal data do ano, o Natal.
“Cerca de 9 milhões de pessoas tiveram o seu contrato de trabalho suspenso no Brasil durante a pandemia”, diz Fábio Pina, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
“Parte desses trabalhadores nem vai voltar à ativa, porque muitas empresas como restaurantes, bares, cinemas, pequenos negócios de eventos e vestuário fecharam as portas”, afirma. Com menos gente recebendo o 13º salário, menos dinheiro será injetado na economia em novembro e dezembro.
“Vamos ter certamente um Natal pior do que o do ano passado”, diz.
Para 2021, os economistas acreditam que o Brasil vai ficar perto da meta de inflação, de 3%, sem superá-la.
O movimento de recuperação da economia será muito gradual — bem distante do “V da Nike”, figura usada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para apontar uma ascensão apenas um pouco mais lenta que a queda.
“A retomada da economia vai depender fundamentalmente do equilíbrio fiscal, para recuperar a confiança dos investidores”, diz Fábio Pina.
Na opinião de André Braz, os governantes poderiam começar cortando o próprio salário, para mostrar o quanto estão comprometidos com a redução de despesas e o equilíbrio das contas públicas.
“Mas raramente as equipes econômica e política deste governo entram em acordo.”