Nas últimas semanas, oito das principais montadoras do paísanunciaram paralisação da produção brasileira em virtude do agravamento da pandemia do coronavírus. O Brasil ultrapassou a marca de 300 mil mortos pela Covid-19 e registrou seguidos recordes diários de mortalidade e novos casos.
Volkswagen, Mercedes-Benz, Nissan, Toyota, Renault, Volvo, Scaniae, agora, a Honda, fecharam as fábricas por cerca de duas semanas, atendendo a um pedido dos sindicatos do setor, que queriam a pausa para preservar os trabalhadores no momento mais crítico da doença no país.
Ainda que o risco à saúde dos funcionários tenha sido um dos fatores primordiais destacados pelas empresas, esse não é o único motivo para a parada na indústria automotiva. Há, pelo menos, outras três razões que justificam a decisão de interromper as atividades temporariamente:
- Há um desabastecimento de peças na indústria que já comprometia a produção;
- Crise econômica e redução da renda afetam a demanda por automóveis;
- Nova onda de Covid impacta a confiança do consumidor para aquisição de bens de alto valor.
Essa “tempestade perfeita” dá ao setor a oportunidade de pisar no freio e planejar o trajeto. Com menos compradores, as férias coletivas determinadas pelas empresas faz possível a articulação de uma redução de custos sem a necessidade de demissões em massa.
Além disso, essa antecipação das folgas dos trabalhadores é uma aposta na retomada da indústria à frente. Espera-se que, além de uma redução de casos, a vacinação avance e o governo tenha mais tempo de elaborar novos planos de crédito e medidas de preservação para o setor.
Uma das demandas tanto dos industriais como do comércio é o retorno do programa de preservação de empregos, conhecido como BEm. A medida criada no ano passado firmou mais de 20 milhões de acordos entre patrões e empregados para a redução da jornada ou suspensão dos contratos de trabalho. O presidente Jair Bolsonaro prometeu reeditar a medida.
Uma nova rodada desse estímulo, dizem economistas consultados pelo G1, daria um alívio às empresas, pois poderiam planejar com mais eficiência o número de funcionários nas plantas fabris, de acordo com a demanda e com a evolução da Covid-19 no país. Isso reduziria o ajuste por meio de demissões e contratações – que não deixam de ser custos extras no caixa das montadoras.
Falta de peças
Os insumos industriais estão em falta em toda a cadeia, o que não deixa o setor automotivo de fora.
As linhas de montagem podem aumentar ou diminuir sua produção de acordo com a chegada das peças automotivas. O mesmo não acontece com os fornecedores, que dependem da siderurgia, por exemplo.
Em choques como a pandemia do coronavírus, a retomada da produção das mineradoras é muito mais lenta que a de uma montadora. Há, assim, um descasamento entre os fornecedores e as finalizadoras da produção automotiva.
Durante a pandemia, houve também uma escassez global de chips, com o aumento severo de demanda por eletroeletrônicos, grupo de produtos beneficiados pelo isolamento social. Na semana passada, inclusive, a associação da indústria de semicondutores da China chinês classificou a falta de chips como “sem precedentes”, com impactos em toda a indústria global.
A situação do Brasil tem mais um agravante: a desvalorização do real. Em 2020, o dólar registrou alta de quase 30%. Neste ano, o salto é de 9,31%. Conforme a economia passa a se aquecer em países desenvolvidos, o preço das commodities sobe – neste caso, automobilístico, o tão importante minério de ferro. O real mais fraco torna mais vantajosa a exportação dos produtos e encarece o insumo para a indústria brasileira.
Queda de demanda
O setor automotivo sofreu bastante com a pandemia do coronavírus na esteira da crise econômica que se instalou no país. Ainda que a massa salarial tenha sido compensada por benefícios sociais implementados pelo governo, nada foi suficiente para estimular a compra de bens de alto valor agregado, como um carro novo.
A produção de veículos no Brasil caiu 31,6% em 2020, segundo dados da Anfavea, a associação das fabricantes. Foram 2.014.055 automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus produzidos durante o último ano, contra 2.944.988 no ano anterior. O resultado foi o pior desde 2003.
A situação não melhorou. No acumulado de 2021 até o fim de fevereiro, a retração foi de 14,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Essa foi a mais recente divulgação da Anfavea.
Com a paralisação agora, é possível refazer as contas e restabelecer prioridades para quando a demanda voltar.
Novos problemas
O início de 2021 reuniu o recrudescimento da pandemia do coronavírus com o fim dos programas de distribuição de renda e estímulos econômicos do governo.
Com discussão mais avançada, há o retorno do Auxílio Emergencial, programado para abril. Além do retorno do BEm, que não foi firmado, espera-se algum programa de crédito e a reforma tributária, ambos sem datas oficializadas.
O retorno da pandemia, por sua vez, trouxe novas restrições à economia e enfraqueceu mais o mercado de trabalho. Com menos dinheiro no bolso, a confiança do consumidor cai, levando junto a confiança da indústria.
O resultado da confiança da indústria da Fundação Getulio Vargas (FGV) foi divulgado nesta sexta-feira (26). O Índice de Confiança da Indústria (ICI) caiu 3,7 pontos em março, para 104,2 pontos, menor nível desde agosto de 2020 (98,7 pontos). Em médias móveis trimestrais, o índice caiu 3,6 pontos.
Na terça-feira (23), saiu a confiança do consumidor da FGV, que mostra queda de 9,8 pontos no mesmo mês, para 68,2 pontos. É o menor valor desde maio de 2020 (62,1).
O prospecto, de fato, não é positivo. A exportação de veículos no Brasil é muito tímida – teve queda de 12,2% na comparação com fevereiro de 2020, segundo a Anfavea – e a economia brasileira só deve dar alguma resposta estimulada pela vacinação no segundo semestre de 2021.