Santo, para ser respeitado em escola de samba, tem que entrar com espada em punho e dragão morto no currículo. Vir com denuncismo ou romantismo para falar da vitória da Mangueira faz pouco sentido.
É contraditório uma escola cujo presidente foi detido sob suspeita de corrupção ter um enredo radicalmente de esquerda? Pode ser, mas o que seria coerente: levar para a avenida uma ode à corrupção? Seria esta, a corrupção, patrimônio (com trocadilho) da direita? Ou caberia exaltar o comércio de drogas, pois há quem diga que existem camarote e entrada reservada para traficantes na quadra da escola?
Em primeiro lugar, o presidente afastado é Chiquinho da Mangueira. Não significa que seja a Mangueira do Chiquinho. A Estação Primeira tem 90 anos; o deputado estadual afastado, 64.
Em segundo, carnaval é oposição. O resto é arrumação de confetes e serpentinas. Jair Bolsonaro mal entrou no terceiro mês de governo e foi ironizado ou hostilizado em quase todo o país ao longo de quatro dias. É do jogo democrático. Responder com imagens de fio-terra e golden shower não é.
Se presidentes de esquerda foram menos atacados no passado, é porque eram de esquerda. Além da longa prática em ser oposição, esse lado do espectro político carrega, historicamente, as bandeiras das minorias, da diversidade, das fantasias sociais e carnavalescas. Até roubam os amigos, mas não perdem as piadas. Quando perdem, caso dos militantes furibundos, ficam sem graça nenhuma.
No Brasil recente, a direita fez oposição vestindo camisa amarela – e da CBF, entidade em que santos não entram e que também tem corruptos na cadeia, ainda que nos Estados Unidos, caso de José Maria Marin.
Os românticos tendem a idealizar o passado das escolas de samba como um tempo de paz e harmonia. Nas favelas onde a maioria delas nasceu não havia luz nem saneamento básico. Havia miséria e desemprego. As escolas foram uma experiência civilizatória de representação daquelas populações marginalizadas, produzindo força coletiva para dialogar com os poderosos.
Porém, a Portela foi comandada por décadas pelo bicheiro Natal com mão forte – uma delas só, porque ele não tinha o outro braço. Chico Porrão, fundador da Mangueira, era bicheiro. Na segunda metade do século XX, surgiram contraventores bem pouco românticos, como Capitão Guimarães, Anísio Abrahão David e Luizinho Drummond. Mas isso não apaga o brilho das histórias e vitórias de suas escolas.
Palavra de ex-julgador que não sofreu pressão de ninguém: não existe essa história de resultado ser armado. Se não todos, quase todos os jurados são honestos, procuram fazer o melhor possível. Fabricar a vitória de uma agremiação dependeria de um arranjo matemático quase impossível de ser realizado.