Por que o cafezinho está tão caro (e deve subir ainda mais)

Valor da bebida atingiu maior patamar em 27 anos, segundo associação da indústria. Fatores climáticos que afetam o Brasil e o mundo atingiram as lavouras e reduziram a produção.

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A seca e as altas temperaturas que atingem o Brasil nos últimos anos estão tornando o café um item cada vez mais caro no país.

Nos últimos 12 meses, o café moído subiu 16,6% para o consumidor, bem acima da inflação geral do Brasil no período (+4,2%), segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Em agosto, o quilo do produto, no varejo, chegou ao preço médio de R$ 39,63, o mais alto já registrado pela série histórica da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), iniciada em 1997. O valor não leva em conta a variação da inflação no período.

E a expectativa do setor é que o preço fique ainda mais alto para os consumidores, considerando que a seca de 2024 vai afetar a safra seguinte, cuja colheita acontecerá em meados do próximo ano.

“Eu não vejo possibilidade de queda de preço até pelo menos março ou abril de 2025. O que deverá acontecer, na verdade, é um aumento”, afirma Celírio Inácio da Silva, diretor executivo da Abic.

A influência da seca no preço do café

Boa parte da explicação para esse aumento de preço no Brasil está justamente em fatores climáticos que afetam as lavouras, diminuem a colheita e geram incerteza para produtores e para a indústria.

Em janeiro de 2021, o mesmo quilo do café que hoje custa em média R$ 39,63 estava em R$ 15,37, segundo a Abic – ou seja, o valor subiu 157% em três anos e meio.

Aquele ano de 2021 foi marcado por geadas que causaram danos a muitas lavouras. A seca também apareceu, trazendo consigo o calor, um cenário que voltaria a impactar as plantações a partir do ano passado.

E a produção do café, que havia batido recorde com a safra de 2020, com 63,07 milhões de sacas, nunca mais chegou mais perto dessa marca.

O café é uma cultura agrícola bienal, alternando um ano de produção mais alta (bienalidade positiva) e outro de colheita menor (bienalidade negativa). Mas as oscilações na produção afetaram esse fenômeno.

A safra de 2024, por exemplo, é de bienalidade positiva, mas a estimativa mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de 54,79 milhões de sacas, representa 0,5% menos do que a produção total do ano passado. Em seu relatório de setembro, a Conab ressalta que essa previsão para 2024 caiu 6,8% em relação à estimativa que havia sido divulgada em maio (58,81 milhões).

Como justificativa para essa redução, a companhia cita “adversidades climáticas durante as fases de floração até a expansão dos frutos” e lista fatores como “estiagens, chuvas esparsas e mal distribuídas, juntamente com altas temperaturas durante as fases de desenvolvimento dos frutos”.

Segundo o pesquisador Renato Garcia Ribeiro, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, a próxima safra “não começa da melhor forma”. “Agora, em setembro, seria uma época para as chuvas começarem, mas elas não aconteceram”, diz ele.

Produtores endossam essa preocupação. “Nós ficamos 160 dias sem uma gota d’água por aqui”, afirma Felipe Maciel, da Fazenda Terra Preta, na região de Pedregulho (SP). “Há lavouras na região que estão em condições precárias.”

Menos café, preço mais alto

O impacto da seca é visto diretamente nas plantações brasileiras, mas não é o único ponto que estimula o aumento de preço no país. Fatores globais também ajudam a explicar o quadro adverso.

Outros grandes produtores do mundo, como Vietnã, Indonésia e Colômbia, também enfrentaram dificuldades climáticas e entregaram safras abaixo da expectativa. Aliado ao crescimento na demanda mundial pelo produto, o impacto no preço é uma consequência.

A produção de café é dividida em dois tipos: o robusta (ou conilon), mais amargo e com maior teor de cafeína, e o arábica, apontado como mais complexo e historicamente mais valorizado. Para o café tradicional e extraforte do dia a dia, a indústria brasileira utiliza uma mistura dos dois tipos.

Mas a crise nas lavouras do Vietnã, o maior produtor de café robusta do mundo, virou o jogo: agora, a variedade está mais cara do que o arábica. Em agosto, a saca de 60 kg do café robusta fechou em R$ 1.483,95, de acordo com o Indicador Cepea/Esalq, o dobro em relação a agosto de 2023 e R$ 35 maior que o preço da variedade arábica. É apenas a segunda vez que essa inversão ocorre no Brasil.

“Quem trabalha com café nunca viu um aumento tão firme e tão grande. Só nesse ano, a saca do café conilon teve um aumento de 74%, e do arábica, de quase 40%”, diz Celírio Inácio da Silva, da Abic.

“Para o industrial não deixa margem ou perspectiva para queda [de preços]. A indústria sempre trabalhou com o blend (mistura) dos cafés, mas comprando na baixa, fazendo estoque. Agora, já tem um ano de aumento, e quem tinha estoque não tem mais”, diz ele.

Ele calcula que o aumento do café robusta fará com que o industrial precise arcar com até R$ 30 em matéria-prima no quilo do produto que será vendido à população. Considerando insumos, impostos, embalagem, transporte, mão-de-obra, entre outros custos, manter o pacote de 1 kg abaixo do R$ 40 será muito difícil.

Preço mais alto compensa perdas?

Para Felipe Maciel, que trabalha com a plantação de café arábica na Fazenda Terra Preta, no interior de São Paulo, é difícil imaginar que o preço do café retorne a um patamar mais baixo em pouco tempo, considerando todos esses fatores. “A tendência é que suba”, diz.

Com disponibilidade menor, Maciel e os produtores terão agora um item mais valorizado para negociar, mas isso, segundo ele, não representa um cenário favorável. Pelo contrário.

“Às vezes, o produtor prefere um preço um pouco mais baixo, mas com o produto na mão. Não adianta nada o café estar caro e você não o ter para venda. Produzir é sempre mais importante.”

Segundo ele, os valores mais altos acabam compensando uma parcela dos problemas, mas não todos. “A proporção de quanto o café subiu não é a mesma proporção em relação ao que se está deixando de produzir”, diz ele.

Para Celírio Inácio da Silva, da Abic, a indústria brasileira precisará trabalhar com uma nova realidade, onde a produção é menos previsível.

“Isso é novo para a indústria, que sempre teve o café à disposição para negociar e fazer um bom estoque”, afirma ele, citando as oscilações na produção nos últimos anos.

“O industrial começou a perceber que não há uma regularidade, e hoje ele disputa com os mercados europeu, asiático, norte-americano. Houve uma grande lição: é preciso ficar atento ao mercado. Quem apostou que o preço não ia subir acabou ficando sem estoque para fazer um preço médio, e agora a realidade é que estão comprando café todo dia, independentemente do preço”, finaliza.