O adiamento das eleições municipais em função da pandemia de covid-19 poderá beneficiar candidatos hoje enquadrados na Lei da Ficha Limpa. Isso porque a prorrogação abre caminho para que políticos condenados por práticas ilegais até outubro de 2012 participem do pleito de novembro, quando a punição de oito anos já estiver extinta. O assunto ainda será analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas, em tese, tem potencial para aumentar o número de postulantes aptos a disputar um cargo de prefeito ou vereador.
Parecer elaborado pela assessoria técnica do tribunal, ao qual o Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, teve acesso, aponta que a prorrogação das eleições não pode barrar a candidatura de políticos classificados como ficha-suja apenas até outubro. O entendimento tem o apoio de ao menos três dos sete ministros que compõem o TSE. Segundo um integrante do tribunal, normas restritivas de direito não merecem interpretações elásticas.
Condenados em órgãos colegiados por abuso de poder econômico e político – a partir de práticas como compra de voto e uso indevido da máquina pública – não podem se candidatar a cargos públicos por um período de oito anos. Desta forma, caso o primeiro turno de 2020 ocorresse em 4 de outubro, conforme previsto, esses políticos ainda estariam inelegíveis.
Segundo o parecer, os prazos de inelegibilidade devem observar o critério da data, e qualquer mudança nesse sentido exigiria aprovação do Congresso Nacional, que já se negou a alterar regras da Lei da Ficha Limpa em função da pandemia.
“Por todo o exposto, consideram-se aplicáveis às eleições 2020 as disposições das súmulas 19 e 69 deste tribunal superior (que trazem regras sobre a aplicação da lei), de modo que a contagem dos prazos de inelegibilidade deve observância ao critério dia a dia”, ressalta o documento, que é só consultivo.
Provocado pelo deputado federal Célio Studart (PV-CE), o TSE deve julgar nos próximos meses uma consulta feita com base em questionamentos do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) a respeito da aplicação da lei nestas eleições.
O parlamentar sustenta que tanto o Senado quanto a Câmara Federal falharam em não pormenorizar a questão, apesar dos esforços durante a votação da Proposta de Emenda à Constituição que adiou as eleições.
No Senado, os parlamentares foram cobrados, mas decidiram não mudar os prazos da Ficha Limpa. Em sessão com o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, o diretor do MCCE, Melillo Dinis, solicitou a mudança, mas não obteve sucesso.
No parecer, a assessoria técnica do TSE considera ter havido uma escolha por parte do Congresso “pela manutenção das disposições legais e jurisprudenciais aplicáveis ao caso”.
O diretor de Assuntos Técnicos e Jurídicos da Presidência do Senado, Carlos Eduardo Frazão, pontuou que mudanças na aplicação da lei não poderiam ter sido determinadas pelos parlamentares durante a PEC. “Seria um jabuti às avessas”, afirmou. “Ninguém está postergando porque quer que determinados candidatos concorram, mas porque estamos em pandemia.”