Igualmente épico e frustrante, ‘Duna’ é o filme mais espetacular do ano

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Poucos diretores operam hoje na escala de Denis Villeneuve. Existe grandeza em suas imagens. Não o volume espremido de forma frenética, como nos filmes de Michael Bay: sua lente captura a enormidade da história, com a mesma serenidade no olhar de John Ford ou David Lean. É cinema como espetáculo, para ser apreciado – experimentado, mesmo! – na tela mais monumental possível.

“Duna”, romance épico de ficção científica escrito por Frank Herbert em 1965, parece ter sido talhado para o cinema de Villeneuve. É uma história grandiosa, uma saga costurada por imagens que mal cabem em nossa retina. Ainda assim, é uma narrativa guiada por seus personagens, seus conflitos, conexões e emoções.
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É também uma adaptação complicada. Alejandro Jodorowsky passou três anos desenvolvendo sua versão, que terminou cancelado quando o orçamento se mostrou proibitivo. Em 1984 David Lynch concluiu a sua visão para a obra, mas o filme foi um desastre, uma salada confusa que fracassou em capturar a complexidade, as nuances e a escala do mundo bolado por Herbert.

Denis Villeneuve, além dos bolsos de um grande estúdio e dos avanços na tecnologia para fazer filmes, colocou na mesa um trunfo que talvez tenha faltado a seus colegas de ofício: paciência. “Duna”, com sua tapeçaria geopolítica entrelaçada numa trama messiânica de romance e redenção, precisa de tempo para que as peças de sua narrativa sejam posicionadas no tabuleiro. Uma omissão aqui, um deslize ali, e a história passa de aventura épica a confusão desmiolada.
Aqui, sua decisão em dividir o livro em dois filmes – mesmo que o segundo ainda esteja no estaleiro, como expliquei em minha entrevista com Villeneuve – mostra-se totalmente racional. Sem a pressa em condensar toda a trama, “Duna” tem tempo para respirar, para apresentar um mundo tão épico em escala quanto intimista em conflitos.
A história se passa milhares de anos no futuro, quando o Duque Leto Atreides aceita a regência do planeta Arrakis, um deserto escaldante até então comandado com mão de ferro pelo violento clã Harkonnen. A entrega do novo mundo, porém, traz ventos de uma conspiração, que pode estar sendo engendrada pela figura sombria do imperador Shaddam IV.
A suspeita aumenta pela importância de Arrakis. É de seu solo árido que se extrai a especiaria, substância mais valiosa de toda a galáxia. Entre outros atributos, a droga amplia a velocidade do pensamento e da percepção humana, o que é fundamental para a realização de viagens além da velocidade da luz. Sem a especiaria, sem viagens interplanetárias. Quem controla Arrakis, portanto, também tem acesso à fortuna que a operação rende.
Alheio às maquinações políticas encontra-se Paul Atreides, herdeiro do clã, assombrado por visões de um conflito sangrento em Arrakis, do qual enxerga-se no centro. Sua presença no planeta parece concretizar uma profecia que o coloca como o escolhido a liderar seu povo nativo, os Fremen, a recuperar as rédeas de seu destino.
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“Duna” combina uma visão do futuro com guerra e misticismo, mistura que Villeneuve, trabalhando com um roteiro co-escrito com Jon Spaihts e Eric Roth, desfralda aos poucos. Para isso ele traça a trajetória e Paul Atreides ante um cenário de proporções épicas. A trilha de Hans Zimmer acentua essa escala, da arquitetura imponente ao deserto sem fim executados pelo diretor de arte Patrice Vermette, fotografados em sua imensidão por Greig Fraser.
Não é exagero afirmar que “Duna” talvez seja o filme mais perfeito a ser encaixado no formato Imax. Tudo é grandioso, a escala é sufocante. Seja a chegada das forças da casa Atreides em Arrakis, a traição que culmina em um ato de guerra, o deserto infinito que parece engolir seus habitantes, tornados ainda mais minúsculos com a presença dos mastodônticos vermes de areia que habitam seu subterrâneo.
Se as imagens às vezes parecem mal caber na tela, o efeito narrativo é imediato. “Duna” é uma experiência imersiva, com enormes cenários e paisagens que por vezes parecem nos tragar para dentro da história. É uma sensação claustrofóbica, mesmo ante a vastidão do espetáculo conduzido por Villeneuve. É como estar isolado em uma plataforma de petróleo no meio do oceano, insignificante quando explode uma tempestade.
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O elenco pincelado por Villeneuve traduz essa sensação com exatidão. Na face de cada um é expressado o temor pelo desconhecido, mas a determinação de enfrentá-lo. Seja Oscar Isaac, exalando nobreza como Leto Atreides. Ou Rebecca Ferguson como Lady Jessica, uma bene gesserit, que traz habilidades místicas envoltas em mistério.
A força militar é representada por Gurney Halleck (Josh Brolin) e Duncan Idaho (Jason Momoa), que encontram os oponentes mais cruéis no clã Harkonnen, encabeçado pelo Barão Vladimir (Stellan Skarsgård) e por seu sobrinho, Glossu Rabban (Dave Bautista).
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Se “Duna” funciona, mesmo sem acelerar o passo para desenvolver sua trama, é pela ótima escolha de Timothée Chalamet para interpretar Paul Atreides. Eu não entendo o desprezo muitas vezes direcionado ao ator, que aqui se mostra uma presença hipnótica e fascinante.
Quando estimulado a trabalhar seu estilo atormentado e frágil, que esconde uma mola retesada prestes a explodir, Chalamet é um ator extremamente habilidoso. Villeneuve usa suas virtudes à perfeição para traduzir o conflito que move o novo herdeiro de Arrakis, que ganha aqui a melhor versão da tragédia imaginada por Frank Herbert.
Como Paul Atreides, Chalamet é um enigma, o que faz sua associação com os Fremen imprevisível – em especial pela confiança depositada nele pelo líder do povo do deserto, Stilgar (Javier Bardem), e pela presença de Chani (Zendaya), que calha de ser a mulher presente nos sonhos de Paul.
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“Duna” recupera o sentimento de encanto que o cinema buscava desde o encerramento da trilogia “O Senhor dos Anéis”. É tanto um espetáculo quanto uma experiência, um filme a ser saboreado e absorvido, uma história que não tem pressa em ser contada, tão densa e carregada em subtexto quanto irresistível e apaixonante.
Justamente por isso que este trabalho de Denis Villeneuve é também tão frustrante. “Duna” cobre metade do livro de Frank Herbert. Embora conclua os arcos dramáticos iniciais de seus personagens, o filme arma o palco para um clímax ainda mais épico que segue como um sonho: a “Parte 2” ainda não tem data para começar a ser produzida, sequer está no calendário do estúdio.
Assistir a “Duna” é, então, uma experiência agridoce destinada a alimentar a ansiedade. Até porque a resposta do público é um enigma. Não é um filme de caminhos dramáticos mais diretos como “Star Wars”, não traz a emoção da camaradagem de “O Senhor dos Anéis”, não é uma aventura que provoca exaltação e lágrimas como parte dos filmes da Marvel.
“Duna” é, por fim, uma obra de arte inacabada, árida como o deserto, de beleza exuberante, que pode evocar murmúrios de espanto no lugar de gritos de euforia. É um animal complexo, que precisa ser descoberto no maior cinema com a maior tela. É, também, um dos filmes mais espetaculares que você vai ver este ano.

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