Entenda a nova lei cambial: limite maior para viagens, conta em dólar e aval para ‘PIX internacional’

Senado aprovou novas regras para o mercado de câmbio, com livre movimentação de capitais e operações mais simples. Texto segue para sanção, mas ainda precisará ser regulamentado.

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O Senado aprovou nesta quarta-feira (8) um projeto que cria novas regras para o mercado de câmbio e para a circulação de capital estrangeiro no país. O texto segue para a sanção presidencial.

Depois, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central ainda terão de definir regulamentação específica e estabelecer um prazo de adaptação para o mercado. Com isso, as novas regras podem demorar até um ano para entrar em vigor.

Entre as mudanças, a lei permitirá:

  • um limite maior para os viajantes levarem moeda estrangeira em viagens internacionais;
  • a negociação de moeda entre brasileiros observado o limite de US$ 500;
  • a abertura de contas em moeda estrangeira no país (observadas as regras do BC);
  • e o início das discussões sobre o PIX internacional (veja mais abaixo nessa reportagem).

Contas em dólar no Brasil

O ponto mais polêmico da proposta é o que transfere do Conselho Monetário Nacional para o Banco Central a competência para autorizar novos setores da economia a manterem contas em moeda estrangeira no país.

Atualmente, as contas em dólares estão disponíveis somente para segmentos específicos, como agentes autorizados a operar em câmbio, emissores de cartões de crédito de uso internacional, sociedades seguradoras e prestadores de serviços turísticos.

No ano passado, quando o projeto foi divulgado, o diretor de Regulação da instituição, Otavio Damaso, lembrou que alguns segmentos, como empresas do setor de petróleo e embaixadas de outros países, já podem ter contas em dólar no Brasil.

Ele acrescentou, na ocasião, que o projeto autoriza essa ampliação para outros segmentos “dentro de um processo de médio e longo prazos, natural dentro da conversibilidade do real, um dos objetivos do projeto”.

Os principais pontos

A lei aprovada pelo Congresso e enviada à sanção prevê que:

  • a compra e a venda de moeda estrangeira entre pessoas físicas (prática atualmente vedada) passará a ser permitida, com limite de até US$ 500. O objetivo é possibilitar a venda de sobras de moedas estrangeiras após o fim de uma viagem internacional, por exemplo. Transações realizadas por profissionais de forma recorrente, ou seja, pelos chamados “doleiros”, continuam proibidas.
  • a declaração de moeda em espécie para viagens internacionais, na entrada e na saída do Brasil, passará a ser obrigatória a partir de US$ 10 mil – atualmente, mais de R$ 55 mil. O argumento é que o limite anterior de R$ 10 mil, instituído em 1995, está defasado. O novo limite, referenciado em dólares, estaria em linha com o que acontece no resto do mundo.
  • serão criadas condições para novos modelos de negócios ligados a inovações nas transferências e pagamentos para o exterior e de estrangeiros no Brasil – e os serviços também poderão ser executados por fintechs (pequenas empresas de tecnologia do setor financeiro). Objetivo é abrir o horizonte para o uso da tecnologia nesse mercado e baratear essas operações. O Conselho Monetário Nacional e o BC deverão disciplinar os novos modelos de negócios.
  • projetos de infraestrutura, geralmente de longo prazo, poderão ser referenciados em moeda estrangeira se houver investidor internacional envolvido. O objetivo é facilitar o entendimento, o aporte de recursos e o retorno ao investidor de outro país. Além disso, o CMN vai poder prever novas situações para contratos tendo como referência a moeda estrangeira.
  • serão autorizadas transferências em reais para fora do Brasil. Atualmente, as pessoas físicas ou empresas têm de fechar um contrato de câmbio, em outra moeda, para enviar os recursos ao exterior. O objetivo do Banco Central é estimular o uso internacional do real.
  • pessoas e empresas poderão pagar contas no Brasil em moeda estrangeira, em algumas situações. Isso será possível em contratos de comércio exterior; quando uma parte envolvida for de outro país, ou em em contratos de “leasing”, entre outros.
  • bancos brasileiros poderão financiar no exterior a compra de exportações brasileiras. Hoje, a lei impede essa operação. Com isso, argumenta o BC, haverá maior competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional.
  • importações poderão ser pagas mesmo sem o ingresso dos bens no Brasil. Atualmente, há restrições a pagamentos referentes a amortizações e juros de financiamento de importação de longo prazo sem ingresso da mercadoria no Brasil.
  • será reduzida a burocracia para entrada de investidores estrangeiros no Brasil. Atualmente, o pequeno e médio investidor estrangeiro não consegue, por exemplo, investir no Tesouro Direto (programa de compra e venda de títulos públicos por pessoas físicas pela internet).
  • um exportador brasileiro que receba recursos no exterior poderá emprestá-los a uma subsidiária da empresa fora do país. Hoje, isso é proibido. Objetivo é aumentar a competitividade das empresas brasileiras.

PIX internacional e real digital

A nova lei cambial também abre caminho para a implementação, no futuro, do chamado PIX internacional, ou seja, a possibilidade de transferência de recursos ao exterior em tempo real por meio da ferramenta desenvolvida pela instituição. A nova funcionalidade está em estudo pelo Banco Central.

Segundo a instituição, a nova legislação sobre o câmbio, com maior liberalidade, também favorece a implantação do real digital — cujas diretrizes foram divulgadas em maio deste ano. A expectativa do BC é de que a moeda virtual esteja disponível em até três anos.

O real digital terá foco em novas tecnologias, como a chamada “internet das coisas” – evolução tecnológica que conectará mais objetos à internet – e os contratos inteligentes (que garantem a segurança da execução do acordo, usando, para isso, a tecnologia blockchain).

O BC informou também que a moeda facilitará a realização de pagamentos e compras no exterior. Entretanto, a cotação do real digital em relação a outras moedas poderá ser diferente do real tradicional. Ao contrário das criptomoedas, porém, elas são asseguradas pelos bancos centrais e têm menos volatilidade.

O BC espera que, por ser digital, seja mais barato transferir os recursos ao exterior, ou realizar pagamento de serviços e produtos contratados em outros países.

“Se tiver acordo de transferências de fundos com outros BC’s de forma digital, facilita bastante. Evita o fluxo físico, e o custo ser bem reduzido, eficiente”, declarou em maio o coordenador dos trabalhos sobre a moeda digital da instituição, Fabio Araujo.

Livre movimentação de capitais

De acordo com o Banco Central, a nova legislação se baseia na “livre movimentação” de capitais e na realização das operações no mercado de câmbio de forma menos burocrática.

A instituição argumenta que a atual legislação cambial começou a ser estruturada em 1920 – cem anos atrás –, em um contexto de escassez de moeda estrangeira, e que não é mais consistente com uma economia globalizada.

Segundo a instituição, a nova legislação representa “passo importante na direção de aumentar a conversibilidade internacional da moeda nacional, ao simplificar tanto seu uso no exterior, quanto seu uso pelos agentes internacionais no Brasil”.

O BC diz ainda que a nova lei proporcionará maior segurança jurídica, consolidando em um texto mais de 400 artigos dispersos e revogando vários dispositivos antigos, considerados obsoletos. A nova lei contém 30 artigos.

O Banco Central avalia ainda que as regras atuais “trazem comandos dispersos e, eventualmente, conflitantes”. Além disso, informa que a nova lei também viabilizar a entrada do Brasil na OCDE ao retirar 15 restrições ao processo.

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