Por que Brasil também deve se preocupar com ondas de calor na Europa

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A onda de calor que atinge a Europa Ocidental tem impressionado pelos contínuos distúrbios na vida cotidiana: impacto sobre corpo e saúde das pessoas, alta demanda por água e energia para resfriar ambientes numa época em que esses recursos estão pressionados, além de incêndios de difícil controle em florestas — um fenômeno agora presenciado em áreas urbanas.

Nesta quarta-feira (20/07), quando a temperatura em Londres atingiu o recorde de 40,3°C, os bombeiros locais tiveram o dia com mais chamados desde a Segunda Guerra Mundial.

Esta semana também marcou a primeira vez na história que os britânicos tiveram registros oficiais acima do patamar de 40°C.

O Met Office, o serviço meteorológico do Reino Unido, relaciona a presente onda de calor à mudança climática provocada pela ação humana global.

“As chances de observar 40°C no Reino Unido é 10 vezes mais provável nas atuais condições do que sob um clima que não teve influência humana. A probabilidade de exceder 40°C em qualquer lugar do território britânico em qualquer ano tem aumentado rapidamente, mesmo com as promessas de redução de emissões [de gás carbônico]”, diz Nikos Christidis, cientista do serviço.

A Europa Ocidental tem contribuído mais para a meta de cortar emissões de gases – crucial para deter o aquecimento global – em comparação com outros países desenvolvidos. Mas, como disse uma vez o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, “a mudança climática não respeita fronteiras”.

Incêndio em Wennington, Londres

“Evidentemente é um equívoco achar que essa onda de calor é um processo local da Europa. Nós temos tido eventos de calor extremo acontecendo em todos os locais do mundo, especialmente durante os períodos de verão dos respectivos hemisférios”, diz o cientista do clima e professor da UECE (Universidade Estadual do Ceará) Alexandre Costa.

No Brasil, os efeitos já estão sendo percebidos.

No ano passado, situações incomuns foram relacionadas à mudança climática por especialistas: uma tempestade de areia no interior paulista, a maior enchente já registrada no rio Negro (AM) e capitais sob céu escuro em plena tarde por causa da fumaça de um incêndio na Amazônia.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o semiárido brasileiro, que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais, já enfrenta secas mais intensas e temperaturas mais altas, o que está acelerando o processo de desertificação.

Alexandre Costa afirma que a recente tragédia das chuvas em Pernambuco, que deixou quase 130 mortos entre o final de maio e o começo de junho, têm fortes evidências de relação com as mudanças climáticas.

“O aquecimento global não apenas facilita a ocorrência de ondas de calor, mas também de secas, incêndios florestais e grandes enchentes porque a gente passa a ter uma atmosfera mais aquecida e portanto com mais capacidade de armazenar vapor d’água e, assim, com mais capacidade de produzir extremos de precipitação.”

Infográfico

Francisco Eliseu Aquino, climatologista do Departamento de Geografia e Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que, no hemisfério sul, as ondas de calor das últimas duas décadas estão mais frequentes e duram mais dias.

“É por isso que no verão passado nós tivemos com recorde de temperatura no Paraguai, na Argentina, no Uruguai, no Rio Grande do Sul e, considerando que 2022 será o sexto ano mais quente desse século, essa sequência de anos quentes em ascensão permite mais ondas de calor.”

“Um planeta mais quente gera perturbação, mudança na densidade da atmosfera.”

O IPCC divulgou em abril um relatório apontando que essa elevação apontada pelos termômetros fará com que o planeta seja atingido por “ondas de calor sem precedentes, tempestades aterrorizantes e escassez generalizada de água”.

Para evitar que isso aconteça, o mundo deve limitar a alta global para um patamar abaixo de 1,5°C neste século, dizem os pesquisadores.

Segundo Aquino, caso se mantenha a atual taxa de emissão de gases de efeito estufa e de desmatamento junto a acordos ambientais globais que não enfrentam de forma efetiva a crise climática, esses cenários devem se intensificar ainda mais.

Alexandre Costa afirma que a primeira parte do sexto volume do relatório do IPCC, divulgada no ano passado, já destacava a mudança na frequência e intensidade de eventos extremos.

Uma onda de calor que tipicamente acontecia a cada 10 anos está praticamente três vezes mais frequente. E outras ainda mais intensas (embora raras, que ocorriam a cada 50 anos) estariam agora cinco vezes mais comuns do que no período pré-industrial.

“O processo é muito claro: a probabilidade de ocorrência de ondas de calor extremas cresce a medida que a temperatura aumenta.”

Os próximos anos são críticos, segundo o relatório do IPCC, porque se as emissões não forem reduzidas até 2030, será praticamente impossível limitar o aquecimento global no final deste século.

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