A manutenção da taxa básica de juros em 13,75% ao ano custa bilhões ao Brasil, que poderia utilizar o montante em setores que carecem de investimento.
Segundo dados do Banco Central (BC), a cada 1 ponto percentual na Selic mantido por 12 meses, o país gasta cerca de R$ 43 bilhões a mais com a dívida bruta — que abrange o total dos passivos de responsabilidade do governo federal, além de estados e municípios.
Por isso, caso a Selic já fosse de 9,5% ao ano, conforme prevê projeção do Boletim Focus do BC para 2024, o Brasil iria economizar cerca de R$ 182 bilhões ao ano só com o pagamento de juros da dívida, uma conta que desconsidera o impacto da inflação e câmbio.
É por meio da dívida contraída pelo Tesouro Nacional por meio da emissão de títulos públicos que o governo consegue financiar o déficit orçamentário.
Nele conta o refinanciamento da própria dívida, bem como os débitos contraídos para realizar operações com finalidades específicas, como investimentos em infraestrutura, gastos com a Previdência, repasses a estados e municípios, entre outros.
De acordo com Felipe Salto, economista-chefe da Warren, o gasto é reflexo de um percentual elevado da dívida pública indexada diretamente à própria Selic.
No mês passado, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que um terço da dívida pública, que chegou a R$ 5,9 trilhões em maio, está atrelado à Selic.
Além do impacto direto, o economista da Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Flávio Tonelli Vaz, destaca que o custo dos juros vai além e avança em tamanho quando comparado a tudo que o Brasil produz.
“Entre 2018 e 2020, os juros nominais de dívida ficaram em média em R$ 353 bilhões, segundo dados do BC. Em 2021, quando a Selic começou a subir, a conta de juros passou para R$ 448 bilhões. Já em 2022, com os juros em 13,75%, já foi R$ 586 bilhões”, afirmou.
“Em termos de PIB, no primeiro triênio ele representou 4,83% do PIB, passando para 5% no ano seguinte e para 6% do PIB no ano passado. Então os juros impactam muito mais do que somente os títulos que estão indexados na Selic”.
Por isso, de acordo com Felipe Salto, uma redução da Selic traria um alívio considerável nas contas públicas, permitindo que o governo controlasse melhor o Orçamento e contribuindo para o cenário econômico.
“Além do efeito direto sobre o gasto com juro, há ainda os efeitos ao longo do tempo no sentido de facilitar o equilíbrio da dívida em relação ao PIB, porque, com juros menores, a dívida cresce com menos força e, com uma mesma taxa de crescimento econômico prevista para a economia, fica mais fácil estabilizar a relação dívida/PIB”, disse.
Dúvida pública chegou a 58% do PIB
Em junho, o BC divulgou que o setor público consolidado registrou déficit primário de R$ 50,2 bilhões em maio, ante déficit de R$ 33 bilhões no mesmo mês de 2022.
Os dados englobam as contas do governo federal, estados e municípios e empresas estatais — exceto Petrobras, Eletrobras e bancos.
A dívida líquida do setor público chegou a 57,8% do PIB, ou R$ 5,9 trilhões, em maio, alta de 0,8 ponto do PIB no mês.
Já a dívida bruta — que compreende governo federal, INSS e governos estaduais e municipais — atingiu 73,6% do PIB, ou R$ 7,6 trilhões, com elevação de 0,7 ponto em relação ao mês anterior.
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, o resultado das contas públicas divulgado em junho mostra um cenário desafiador para o governo.
“O resultado fiscal segue desafiador para o governo. Sem crescimento adicional de receitas no segundo semestre, o déficit em 2023 deve ficar próximo de 1% do PIB e as despesas com juros devem ultrapassar R$ 700 bilhões, levando a dívida bruta a 75% do PIB, mesmo com o crescimento maior da economia”, disse.
Segundo ela, um ajuste fiscal mais rápido pode fazer com que a Selic finalmente caia e, assim, reduzir as despesas com juros das contas.
“Por outro lado, um ajuste fiscal mais célere e com maior credibilidade, pode reduzir a percepção de risco do mercado, e resultar em importante queda dos juros e consequentemente das despesas nominais, contribuindo para reduzir o crescimento da dívida pública projetado pelo mercado para os próximos anos”, completou.
De acordo com Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da entidade Auditoria Cidadã da Dívida, o crescimento da dívida pública baseado na alta dos juros é um problema.
Para a especialista, o movimento tem crescido e servido apenas para “alimentar os mecanismos financeiros que geram dívida sem contrapartida, em especial os elevadíssimos juros sobre os juros da própria dívida, sem limite”.
“O mais grave é que não existe teto, limite ou controle algum para esse gasto com juros da dívida pública, tendo em vista que, se os recursos disponíveis no Orçamento ou na conta única do Tesouro não forem suficientes para esse pagamento, o governo emite mais títulos públicos e paga, aumentando continuamente o estoque da dívida pública, sobre o qual, no mês seguinte, incidirá mais juros em cascata”, afirmou.