A taxa de incidência de tuberculose preocupa o governo federal – foram 73,2 mil infecções em 2017, média de mais de 200 por dia. E o mais grave: voltou a crescer no País o número de infecções multirresistentes, ou seja, que não respondem aos dois principais medicamentos. Esse número triplicou em uma década, alcançando 1, 1 mil naquele ano – três por dia, segundo dados do Ministério da Saúde obtidos.
Doença diretamente relacionada às condições socioeconômicas da população, a tuberculose registrou aumento, segundo especialistas, principalmente por causa da crise econômica que atingiu o País nos últimos anos, o que teria diminuído os investimentos no sistema de saúde e piorado a vida da população em aspectos que contribuem para a infecção, como moradias inadequadas e sem circulação de ar.
O próprio Ministério da Saúde destaca a crise, ao lado de melhorias no diagnóstico. “O aumento do coeficiente de incidência da tuberculose nos dois últimos anos pode representar uma ampliação do acesso às ferramentas de diagnóstico. No entanto, também pode estar relacionado aos desafios no controle da doença por determinação social, ao lado de uma importante crise econômica pela qual o país tem passado nos últimos anos”, destacou a pasta em boletim epidemiológico publicado no último mês.
O documento mostra que o índice de casos por 100 mil habitantes, que era de 34,1 em 2015, foi para 34,3 em 2016 e alcançou 35,3 em 2017. No ano passado, a taxa teve uma leve queda (ficou em 34,8), mas continua superior ao coeficiente registrado em 2014 e 2015. Somente em 2017, 73,2 mil pessoas foram infectadas pela doença no Brasil, das quais 1,1 mil apresentaram a forma multirresistente da tuberculose, o triplo do registrado em 2009, quando 339 tiveram infecção resistente. O índice de mortalidade por tuberculose permanece estável no País, mas a doença, embora curável e com tratamento gratuito na rede pública, ainda mata cerca de 4,5 mil brasileiros por ano.
Causas
Para médicos especialistas no tema e ativistas no combate à doença, o contingenciamento de recursos públicos é determinante para o cenário. “É uma resposta à deterioração dos serviços de saúde. Há muita rotatividade dos profissionais, eles não recebem o treinamento adequado, não há identificação com a comunidade e o diagnóstico é tardio”, afirma a pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Exemplo de como a tuberculose tem forte ligação com as condições de vida da população é a incidência da doença em favelas cariocas. “Enquanto no Brasil a taxa é de cerca de 35 casos por 100 mil habitantes, na Favela da Rocinha, chega a 300”, comenta Margareth.
Mais análises
Segundo a coordenadora do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde, Denise Arakaki, ainda são necessárias análises mais aprofundadas para verificar as causas do aumento da incidência da tuberculose nos últimos anos. “Um ou dois anos de crescimento na incidência é pouco tempo para dizermos se a doença, de fato, voltou a aumentar ou se cresceu a notificação por causa da melhoria no diagnóstico. De qualquer forma, para não sermos surpreendidos no futuro, vamos realizar uma reunião com especialistas no próximo mês para verificar se esse aumento é real e definir o que fazer”, disse ela.
Denise citou ainda, como outro fator que explicaria o aumento, um trabalho mais ativo do ministério nos últimos anos na busca de casos entre a população carcerária, um dos grupos mais afetados.
Sobre as infecções multirresistentes, a coordenadora disse que o número de casos cresceu de forma expressiva por causa da inclusão no SUS, em 2014, de um teste rápido molecular que verifica a resistência da bactéria a um dos principais antibióticos, a rifampicina. “Os casos diagnosticados estão crescendo, mas a resistência no Brasil continua baixa, principalmente porque aqui os remédios só são oferecidos pelo governo, não são vendidos em farmácia, o que evita o uso indiscriminado”, destaca Denise.
Para Margareth, no entanto, embora a inclusão do teste rápido tenha, de fato, aumentado o número de diagnósticos de casos multirresistentes, esse não é o único fator que explica a alta. “Tem crescido a resistência a alguns medicamentos e, além disso, a ocorrência de casos multirresistentes é favorecida pelas situações dos doentes ditos crônicos, que ficam rodando na rede sem ter diagnóstico ou acompanhamento. Se a doença não é tratada adequadamente, ela pode voltar mais resistente”, diz.
Diagnóstico
Foram necessárias três passagens por especialistas e um mês de angústia para que a auxiliar administrativa Érica Barbosa Decaris, de 31 anos, tivesse o diagnóstico. Mesmo com tosse persistente e muita dor nas costas, nenhum dos dois médicos cogitou tuberculose.
“Fui a um pronto-socorro do SUS (rede pública) e o médico disse que era pneumonia. Fiz o tratamento, mas logo depois voltaram os sintomas. Então decidi pagar um clínico particular e ele me disse que era inflamação nos brônquios, mas o tratamento também não adiantou. Só o terceiro médico disse que podia ser tuberculose e me orientou a fazer o exame”, conta ela. “Acho que os médicos não estão preparados.”
Para Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é “inadmissível” esse atraso na detecção. “É injustificável que, em um país com mais de 70 mil casos, nossos pacientes estejam sendo diagnosticados tardiamente.”
A demora fez Érica iniciar o tratamento quando a doença estava mais avançada. “Eu já estava tossindo sangue e tinha afetado os dois pulmões.” Depois da descoberta, a auxiliar administrativa passou a ir diariamente ao posto de saúde, durante seis meses, para tomar os medicamentos. “No começo foi muito difícil porque eu sentia dores no corpo e enjoos por causa dos remédios, mas me apeguei ao pensamento de que cada dia que eu ia ao posto era um dia a menos no meu tratamento.”
Preconceito
Ela se afastou do trabalho por quatro meses, usou máscara no início do tratamento e dormiu na sala por meses pois, enquanto não estivesse curada, a recomendação era não dividir o quarto. Mas o que mais chateou a paciente foi o preconceito de amigos. “Pessoas me viam na rua com a máscara e não chegavam perto. Sempre fui bem amparada no posto de saúde na parte médica, mas acho que faltou uma rede de apoio psicológico.